27.06.21
Quando criança, tinha um baloiço com vista para o mar,
Todas as manhãs,
Depois de me sentar e, depois de acariciar uma pétala de rosa em ténues sombras de saudade, imaginava-me correndo para dentro do mar, ao longe, um pequeníssimo barco em papel acenava-me e depois
Todas as manhãs, a tristeza vinha buscar-me para mais tarde, junto ao farol, eu e ele, atritávamos pedras contra o farol,
A praia deserta, morna e morta,
Depois outras crianças como eu, vestidas de camuflado, brincavam com espingardas de capim, o berro dos mabecos esfomeados, a caneta atirava-se contra a pequena ranhura na folha em papel, colorida, encarnada de pequeníssimas gotas de suor,
A carta regressava da Metrópole, trazia fracas notícias, a mãe tinha falecido de tédio, numa tarde, só na aldeia, morreram várias dezenas de mães, todos faleceram de tédio,
Saudade?
Também, descia a Mutamba, depois por uma breve passagem pelo Baleizão, uns pedacinhos de gelado brincavam na minha mão, tinha sono, tinha fome e, saudade,
O farol recordava-me a sombra do meu pai quando estacionado debaixo dos coqueiros, hilariante, brincava com o desconhecido, como se ele se alimentasse, tal como eu, da saudade,
O frio de Agosto junto ao Mussulo, da noite traziam-me pequenas palavras que eu aproveitava para embrulhar em pequenas estrelas que durante o dia ia recolhendo enquanto dormiam junto às mangueiras, lá
Tinha uma morada, trazia sobre os ombros a enxada recheada de lágrimas e, mesmo assim, era feliz,
Devagar,
Saudade?
O silêncio quando não era silêncio, disfarçava-se de silêncio, dentro de casa, o mar calmo dos finais de tarde, contra os rochedos da insónia, um poema desgovernado pensava sempre que depois da chuva
Tenho fome, mãe,
O cheiro intenso da terra queimada, os machimbombos abraçavam-se como se fossem amantes antes do início da secção de matiné do cinema Império, a ressonância do sono quando batia na saudade,
Morreram de medo, pela perda dos filhos,
E, o mar galgava as janelas do veleiro imaginário,
O baloiço, aos poucos, morreu de cansaço, o pendulo desfalecia a cada movimento contra o vazio e, iluminava-se nas distâncias longínquas das marés de neblina,
Pegava em duas pedras de gelo e, depois de juntar uma porção de sombra, todas as gaivotas vinham morrer em terra; é assim a vida, das pessoas que morrem de saudade,
Como o baloiço,
Todas as tardes,
Farto de me acompanhar nesta terra de ninguém.
Todas as manhãs.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 27/06/2021