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Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.

Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.


18.04.23

Desta janela

Oiço o mar da minha infância

Desta janela oiço os pássaros da minha infância

Desta janela

Brinco com os meninos da minha infância,

 

Através desta janela

Regressam a mim os cheiros

Os sonhos

E todos os cheiros da minha infância…

E desta janela… toco nos papagaios em papel da minha infância.

 

 

Bragança

18/04/2023

Francisco


13.10.22

São tão lindas as estrelas que voam sobre o mar, e dos barcos, vêm até nós o sorriso em silêncio dos apitos uivos, quando estes se abraçam aos teus olhos, depois, desce sobre a colina a sombra das árvores que fogem da solidão dos rochedos envenenados pelos gritos de revolta das metástases das canções sem nome, e adormecíamos debaixo das mangueiras em flor, do portão de entrada, uma alma depenada dançava e trazia com ela as tuas mãos,

Somos invisíveis, ouvia-a…

Deitava-me de barriga para o ar e sonhava com os barcos que entravam portão adentro. Pela noite, eu e eles víamos as estrelas, hoje, pincelo os teus olhos na madrugada, como se a madrugada fosse uma flor em papel, do papel que sobejava dos papagaios que a dona Arminda construía para o filho, um puto em calções, rabugento e um autêntico tinhoso,

Doem-me as pernas!

(tinhoso)

As estrelas não são em papel e que os papagaios voaram tão longe que ainda hoje vagueiam pelo Universo, e amanhã e depois de amanhã, continuaram a voar, até que um dia, serão apenas pontos de luz, e nos teus olhos ficará apenas a sombra nocturna do desejo.

Invento-me enquanto lá fora uma lâmina de saudade corta em pequenos pedaços as recordações de quando os barcos entravam portão adentro, e quando regressava a noite, dávamos as mãos e víamos as estrelas,

São tão lindos os teus olhos,

Dói-me a barriga!

(grande tinhoso)

Como são lindas as flores em papel da madrugada, e não adianta procurar os barcos que que levavam a ver as estrelas, partiram para longe, tão longe como os papagaios, tão longe,

Desculpa, não sabia que,

Porquê?

Sei lá, apetecia-me ver o mar,

E parti para a ilha dos poemas.

(tinhoso)

Come a sopa, Luisinho?

O menino dá,

E não dava nada, pegava no par de asas que tinha desenhado junto à capoeira das galinhas, vestia as roupas do chapelhudo, e…

(tinhoso)

Quando dava conta, depois de percorrer meio jardim, depois de contornar a Maria da Fonte, sentava-me no Baleizão, pumba,

O menino não gosta de gelados,

(grande tinhoso, este miúdo)

E voava em pequenos círculos até que as pilhas faleciam de pasmaceira, e tinha de pedir ao meu pai para retirar o barco do pequeno tanque que um amigo dele me tinha oferecido, depois, lembrava-me que tinha deixado um avião pendurado numa das mangueiras por um fio de nylon que desenhava também como o barco, círculos com olhos verdes, e ainda hoje oiço o silencioso som dos pequenos motores, e ainda hoje sinto que os círculos com olhos verdes caminham por aí, em direcção ao infinito,

Acreditas no infinito, Luisinho?

Doem-me as pernas.

(tinhoso, tinhoso)

O chapelhudo, mãe?

Morreu, filho.

Morreu como morreram os papagaios?

Mão filho, os papagaios voam pelo Universo, os papagaios em papel nunca morrem.

Depois de olharmos as estrelas, levava os barcos até à cama, contava-lhes uma estória sobre um menino de calções que se encantou com o sorriso de uma estrela, aos poucos, eles, cerravam os olhinhos, até que adormeciam acreditando que os papagaios em papel ainda hoje voam pelo Universo,

O infinito, mãe!

(ranhoso)

Come a sopa,

O menino dá.

E claro, não dava nada. Escondia-a na boca em pequenos pedaços, e providos de alguns movimentos, como se fossem os trapezistas do circo que na noite anterior tinha observado, lançava-os contra a parede da cozinha onde jaziam alguns rabiscos feitos pelo dito tinhoso,

(doem-me as pernas)

Vês. Não fui e também não foste.

(só umas nalgadas nesse rabo)

Como assim, estrelas suspensas nos teus olhos?

Verdade.

Vi-as quando fui adormecer os barcos.

E das tardes a cortar e a coser farrapos para vestir o chapelhudo, o tinhoso do miúdo também metia pregos nas tomadas da electricidade, até que um dia o avô Domingos resolveu colocar todas as tomadas a um metro do chão,

Em Portugal,

Os fusíveis rebentavam,

E os papagaios ainda voam,

(tinhoso)

Como assim, estrelas suspensas nos teus olhos?

Verdade.

Depois de olharmos as estrelas, levava os barcos até à cama, contava-lhes uma estória sobre um menino de calções que se encantou com o sorriso de uma estrela…

(tinhoso)

 

 

Alijó, 13/10/2022

Francisco Luís Fontinha


27.09.22

O frio gélido do Inverno entranhava-se nos ossos famintos que tínhamos transportado de além-mar, as escadas, graníticas e autênticas, durante a noite, vestiam-se de uma fina película de gelo e pela manhã, quando queríamos sair do cubículo, dançávamos como se fossemos bailarinos duma qualquer companhia de bailado em digressão pela província.

Ele, chorava.

As janelas, com vista directa para o chafariz, embrulhavam-se no vento, os farrapos a que a minha mãe apelidava de cortinados, voavam e, em pequenos círculos, como se as tempestades percebessem de geometria, quase que desciam ao rés-do-chão e acabavam por se deitar no pavimento constipado em frente à farmácia; nunca entendi o que pensavam os cortinados, nunca entendi porque estavam tristes os cortinados do nosso cubículo, apenas sabia que as janelas tinham mais aberturas do que vidros.

Ela, chorava.

No final da tarde, sentado na velha varanda que ainda hoje existe e de boa saúde, contentava-me em contar o número de carros que rua acima, rua abaixo, passeavam em pequenas sombras e tirando a rouquidão de um ou de outro, o silêncio era absoluto.

Comecei a inventar sonhos.

Comecei a inventar sonhos e pequenas marés de mar.

Nós, chorávamos.

Mas eramos muito felizes… e foi nessa altura que comi o melhor peixe do rio assado no forno até hoje, na tasca junto á fonte da Gricha.

E se eu pudesse, voava…

Voava como voam os pássaros dos sonhos.

 

 

 

 

Alijó, 27/09/2022

Francisco Luís Fontinha


27.09.22

Há um pedacinho de mar

Que a minha mãe pincelou no tecto da minha alcofa,

Depois, desenhou as estrelas tricolor,

E abraçado às estrelas, o infinito luar…

 

Há um mar de saudade

Que transporto nas mãos,

Há um mar de lágrimas

Que correm nas ruas desta cidade,

 

Há um mar de ninguém, um mar apátrida e sem coração

Que só existe no tecto da minha alcofa,

Um imenso mar onde habitam palavras…

Palavras e uma velha canção,

 

Um mar em chama ardente,

Um mar invisível…

Um mar que não vê,

Mas que tudo sente,

 

Há um pedacinho de mar,

O meu velho mar…

O mar da minha infância

Que estou sempre a recordar…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 27/09/2022


19.07.22

Um dia saberei onde habitam as gaivotas da minha infância. Um dia vou desenhar os cheiros e sombras da minha infância, depois, olharei o mar e lanço-me às marés da minha infância.

Um dia vou perceber porque voava a mulher vestida de negro e que de nuvem em nuvem, em danças vertiginosas, descia ao mar da minha infância, tal como eram as palavras da minha infância. Diziam-me que o silêncio, quando acordava, era mau presságio, e do outro lado do rio, ouviam-se as balas tristes que afoguentavam os homens da minha infância; então um laminado sonoro de batuques mergulhava no capim húmido da minha infância. Um alegre menino da minha infância chorava, o poema que habitava do outro lado da rua, esse, nem chorava nem ria nem brincava nem dizia nada. Porque quando nos silenciamos, aprendi hoje, os outros dizem tudo.

Um dia saberei porque escreviam as gaivotas da minha infância na húmida terra mergulhada nos cheiros da minha infância, porque hoje, o menino dos calções da minha infância é apenas um esqueleto que de triciclo na mão, escrevia círculos lunares na esplanada da minha infância. Vi o mar quando ainda dormia na barriga da minha infância e quando ouvia as gaivotas da minha infância, corria para os braços da minha infância.

Todos, incluindo o chapelhudo, ouvíamos o silêncio da minha infância, porque da baía avistávamos os barcos envenenados que o velho marinheiro, depois do almoço, levava a passear pelo Mussulo; não sabíamos que do mar, às vezes, vinham as crianças da minha infância de mão dada com as bonecas em trapos e em pedacinhos de riso, às vezes, muitas vezes, queriam fazer-nos querer que rir era proibido.

E ouvíamos uma voz que gritava; atira-lhes com poesia, porque os canalhas detestam poesia. Pudera.

Rir era proibido. E hoje procuro as gaivotas da minha infância, enquanto as sombras da minha infância, são equações complexas que na minha infância, em nada me serviam para fugir das gaivotas da minha infância.

O grito.

Porra.

Porra e Deus queira que amanhã chova como chovia na minha infância como gritavam na minha infância os tristes mabecos como dormiam os embondeiros da minha infância como o chapelhudo se erguia e transformava a minha infância em mar…

O mar que ficou lá.

E por cá, não gaivotas da minha infância. E por cá não espingardas da minha infância.

Um dia saberei onde habitam as gaivotas da minha infância onde jazem os ossos da minha infância como os barcos da minha infância no musseque da minha infância onde o zinco dormia depois das gaivotas da minha infância chorarem porque o mar da minha infância desertou como desertaram os corajosos da minha infância.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/07/2022

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