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Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.

Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.


19.11.13

foto de: A&M ART and Photos

 

Tínhamos um espelho chamado Fantasia, dormia connosco e das poucas vezes que lhe ouvimos um sussurro ou um desabafo... ou uma palavra

Cansaço,

Tínhamos uma janela virada para o rio, do nosso quarto apenas conseguíamos ver um dos braços do rio, e ao de leve... uns finíssimos dedos em algas masturbadas como linhas paralelas, confundíamos os finos dedos como linhas paralelas com os tristes carris de regresso a casa, dormitávamos, sonhávamos e acordávamos, e quase durante uma hora havia um filme só nosso que vivia dentro do nosso peito, o meu era a preto-e-branco, e o dela

Colorido,

As paredes que ultrapassávamos como pequenas limalhas de ferro ensanguentadas de cinzentos cabelos do transeunte indignado e anónimo que viajava quase sempre ao meu lado, não falava (como o fazia antes de adormecer o espelho do nosso quarto) e fumava cigarros de enrolar, pedia-me lume

Deixei de fumar,

E continuava silencioso como os cadáveres do nosso armário que desde sempre estiveram no corredor de nossa casa, antes de regressarmos, em Angola, depois, depois viemos encaixotados com pedaços de madeira que roubamos, inclusive algumas portas do interior, e algumas tábuas do alpendre onde guardávamos o triciclo, as pombas e algumas galinhas e o meu

Chapelhudo?

Não, não, esse não

Chapelhudo, orelhudo... e a chuva esfarelava-se sobre nós, tínhamos a ressaca das tardes de sábado, e tínhamos

Dá-me lume se faz favor?

Lamento, deixei de fumar, lamento... deixei de viver, lamento... deixei de amar, de ser amado...

Chapelhudo, orelhudo... e a chuva esfarelava-se sobre nós, tínhamos a ressaca das tardes de sábado, e tínhamos as multiplicações semanais das

(como o fazia antes de adormecer o espelho do nosso quarto)

Fitas a preto-e-branco, ela, colorido, imagens rolantes que descaíam dos edifícios negativos com gravata embebidas em bolas de naftalina, o cheiro, o cheiro a ratazanas sobre os cubos de queijo esburacados, envenenados... tínhamos um espelho chamado Fantasia, dormia connosco e das poucas vezes que lhe ouvimos um sussurro ou um desabafo... ou uma palavra, ou simplesmente

Nada,

Ou simplesmente

Nada,

Ou... esperavam (ou simplesmente... nada), não, não

Não?

Ou simplesmente... lamento informá-lo... mas hoje não temos carris na frigideira com molho de solidão

Porra...

E o que faço eu aqui?

Caminho, procuro os dedos finíssimos do rio em desejo, sentamos-nos um sobre o outro, enrolamos-nos e

Tem lume se faz favor?

Deixei...

E víamos,

E ouvíamos,

E... os imbecis homens de chapéu igual ao do Chapelhudo a fotografarem-nos, como se

Eu e ela

Fossemos dois corpos, com esqueleto, com cabeça, carne apodrecida, carne desfigurada... como se eu e ela fossemos... um espelho chamado Fantasia

E éramos só,

Eu e ela,

Dois filmes fugidos da sanzala dos grilos...

 

 

(não revisto – ficção)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 19 de Novembro de 2013


02.11.13

foto de: A&M ART and Photos

 

A musicalidade das tuas mãos poéticas, sinto em mim as teclas do piano onde poisas o teu silêncio, e mergulhas no Sol e és levada para as nuvens invisíveis que habitam no meu peito, a rua está deserta, e chove, e a lareira ficou acesa, há um cadeirão pronto a receber-te e um livro esguio e macio para abraçar a tua doce pele de chocolate,

Sinto-me criança envolta de farrapos e antigos utensílios de cozinha, quero ligar o interruptor do amor, aquele que há muito foi desligado pela intempérie do desejo e não consigo, sou tão pequeno, sou tão baixinho... que não o alcanço com os meus dedos de arame envergonhados pelo reumatismo e pela insónia de procurar-te entre as fotografias e de nunca ser eu capaz de te encontrar, sem

Atrasado?

Sempre ignorado, vergado, mergulhado nos lençóis da infância quando apenas tínhamos um cobertor que servia para nós os três, não havia divisões na nossa casa,

E apenas

Chita suspensa num cordel,

A vedação de nós, separados por milímetros de estampados impregnados com cheiros do outro lado da rua, e uma varanda, de vez em quando, agoniava-se com a nossa presença,

E apenas pássaros sobre o teu cabelo curto de alfazema...

E apenas

Chita suspensa num cordel,

Sempre impermeável como um oleado telhado sobre a velha estrutura em madeira, chovia-nos e às vezes parecíamos candeeiros de parede esperando a mão de quem os acende, a chama era ténue, e tremíamos como arbustos esperando o regresso do Tejo dos tempos que nos visitava, entrava pela varanda, os primeiros dias ficava à nossa espera até que um de nós lhe pegava e o trazíamos para dentro, depois

E apenas

Chita?

Depois ele mesmo fazia as cerimónias da casa, subia à varanda, ora fica a fumar o seu cigarro ora entrava logo após regressar, e sentava-se no colo de um de nós, quase sempre fazia-o no meu, talvez porque eu era o que mais saudades tinha dos tempos dos barcos paquetes rasgando os Oceanos meninos das floreiras em tristezas Primaveras,

Chita suspensa num cordel,

E apenas queríamos viver como todos os outros viviam, e apenas esperávamos o regresso da vida condigna como todos os outros a tinham, e apenas..., sentíamos o pulsar dos corações da geada nos vidros estilhaçados, tínhamos janelas incompletas, vazias, doentes, janelas com quadrados espaços onde tudo entrava menos o calor e a saudade, tínhamos vergonha da vergonha quando em nada tínhamos de nos envergonhar, e sabíamos que as escadas graníticas, durante a noite, desapareciam, e ficávamos sem acesso à rua, madrugada dentro

Sempre,

A chita?

Entravam, embriagadas como varões em aço esperando a mão do operário especializado em ferro, e logo pela manhã, e logo que fosse dia, deitávamos-lhe água a ferver, desaparecia-lhe a embriaguez e o gelo e após alguns minutos voltávamos a ter escadas de acesso à rua, chita suspensa num cordel, metralhadoras ouviam-se em volta do chafariz junto à igreja, gorgulhos de felicidade cresciam nos arrozais dispersos dos teus lábios de lânguida manhã de Outono, e os outros besouros adormeciam na nossa varanda enquanto não regressava o Tejo, e de cigarro na boca, e de pulseira no braço, e de lenço ao pescoço...

Gargantilhas voando entre gafanhotos e portas de madeira prensada, tristes e belas, e envergonhadas pelas janelas sem vidros, e da casa

Sem paredes, nada, apenas

Chita?

E um cordel de medo a atravessar o espaço vazio de nós...

 

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 2 de Novembro de 2013


03.07.13

foto: A&M ART and Photos

 

Como tu

refugiada em palavras mortas

mórbidas borboletas de veludo

voando

sonhando câmbios e orgasmos das neblinas filhas da madrugada

sou

como tu

embriagado pelas luzes do extinguido habitáculo de nylon,

 

Como tu

uma árvore em silencio no recreio da velha escola

sentamos-nos? Podíamos entrelaçar as mãos como fazem as andorinhas

quando

como tu?

Acordam as letras envenenadas das canções de amor...

 

Não sou nada

parecendo uma pedra lançada ao vento

e cai gravemente sobre o teu peito...

e da ferida... uma pequena rosa sobrevive aos teus lamentos,

 

(Como tu

refugiada em palavras mortas)

 

E insignificantes espelhos da eira triste

dançando como as bailarinas das fotografias suspensas no gesso alicerçado às mãos de um inocente homem com barba branca

dançamos?

 

(mórbidas borboletas de veludo

voando)

 

Nunca mais regressarei aos teus abraços braços

porque agora sou um barco

sem leme rumo ou velas

sem motor marinheiro ou perfume teu dentro de mim

caminharei sobre os cedros apodrecidos de uma lápide significando a minha ausência

nunca

regressarei ao porto de abrigo

para ser ancorado e aprisionado a uma corrente enferrujada com sintomas de tuberculose...

 

Fumamos?

 

(não revisto)

@Francisco Luís Fontinha


13.01.13

Tenho pena que os caminhos que ao alvorecer cruzávamos, hoje, estejam moribundos como as nuvens azul-cansado que sobre o peito nu da melancolia amanhecer desperta num relógio longínquo, abstracto com roldanas e rodas-dentadas, com uma boca fechada, como as janelas que dormem nos prédios desabitados, sem luzes, sem portas, nem crianças a brincar, tenho pena

Este vazio sincero que as pálpebras escuras da noite deixam ficar nas mãos de que a trabalha, a ela, a terra prometida, e dizia ele que a terra é de quem a trabalha, mas o dito fruto, mas o fruto pertence

A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente

Vou-me

Desistir de caminhar nas pedras falsas das calçadas vulvas que todos os cadáveres deixam adormecer antes de morrerem, canso-me, despeço-me, demito-me, mas nada melhor do que deitar-me sobre um rio doente, e nada melhor do que levitar como os cavalos do velho cigano, ouviam-se os sons silenciosos das abelhas e das flautas de mel, e eles,

Subiam, desciam, e vias-me

E eles levitavam como pássaros negros antes de caírem os muros de madeira que os anjos de asas verdes construíram nas searas alheias, via-se a reforma agrária, e quando lhe perguntavam

Se tivesses duas casas davas uma? Ele respondia que sim, Dava sim senhor,

Se tivesses dois carros davas um? Ele respondia que sim, Dava sim senhor,

E se tivesses duas galinhas, davas uma? Ele furioso respondia que não, não dou, e quando lhe perguntava porque não dava uma das galinhas visto ele ter duas, simplesmente respondia

Porque só tenho duas...

Subiam, desciam, e vias-me

E vias-me partir de barco debaixo do braço, chapéu na cabeça, e com as sandálias na outra mão por causa da areia, não a reia dos teus lábios, mas a areia fina e fútil da praia, pousava as sandálias, despia-me e colocava a roupa sobre elas, estava nu, e quando tinha o barco em posição para a partida, entrava, sentava-me, sorria ao olhar os restos mortais que tinham sobejado de mim

As sandálias, os calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados

Dos satélites vestidos de mulher às voltas de um planeta a que toda a gente apelidava de árvore fantasma, esqueleto vagabundo, sentinela sonâmbulo das noite embriagadas com óleo vegetal e sardinhas de conserva, Vou-me a ela

Coitadinho dos coitados plásticos da marmita onde os restos de comida serviam para alimentar um regimento inteiro, muitos, entre a Calçada e os Jardins junto ao rio, os automóveis estacionavam-se e abriam-se as portas de porcelana das bonecas das meninas

Vou-me a ela (   )

 

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Alijó


25.01.12

Toda a minha vida sonhos,
Sonhos e alguns impossíveis de realizar, mas há um sonho que nunca deixei de acreditar, há um sonho que não me deixou morrer,
Não sei se é doença mas a verdade é que sou um inadaptado, e nunca, nunca consegui superar a separação de Luanda e vivi sempre emerso em angustia e dor,
Dentro de mim existiu sempre algo a puxar-me e sempre acreditei em regressar à terra onde nasci, e acredito que vou conseguir,
Ter a nacionalidade angolana e regressar.

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