04.05.23
Até que o sono os separe, e que o vento lhes traga as mansardas com vista para o mar, depois veste o seu melhor fato, calça os seus melhores sapatos, e desaparece na sombra que a tarde começou a construir junto ao rio.
Era assim todos os dias.
Logo que acordava, puxava do seu primeiro cigarro, diga-se que o primeiro cigarro acorda sempre em pedacinhos de ternura e preguiça, acendia-o utilizando duas pequenas pedras, e ficava por ali…
A olhar as primeiras lágrimas da manhã.
Um dia, um dia disseram-lhe que estava proibido de vestir o seu melhor fato, de calçar os seus melhores sapatos e ainda muito pior…, estava rigorosamente proibido de desaparecer na sombra que a tarde construía junto ao rio.
Percebeu que lhe tinham retirado a liberdade de pensar e de ser.
E entre o ser e o não ser e o pensar, brinca aquele que nunca o foi, que é o invejoso e que quer ser, aquilo que o outro já foi.
Abro a janela.
Fecho a janela.
Sento-me sobre a cama.
Levanto-me da cama.
E eu que sou um apaixonado por pássaros, que amo todos os pássaros, e isto e aquilo…
E estes, sem qualquer respeito por mim, respeito nenhum, enviam-me um telegrama em forma de merda; o telegrama mais temível que o ser humano pode receber.
E o sono os separou enquanto uma abelha construída em fibra de carbono poisou na sua mão de porcelana, e confesso, de abelhas em carbono nada percebo, apenas que as mansardas com vista para o mar, para o meu mar, são as colmeias da madrugada, quando acorda o dia, e sobre as árvores, um triciclo a motor desenha círculos de insónia com lábios em quadriculado sorriso…
Nasce assim, a minha primeira abelha em fibra de carbono;
A doce “agora não posso”.
Bragança, 04/05/2023
Francisco Luís Fontinha