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francisco luís fontinha

Nunca vi o mar, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu... francisco luís fontinha.

francisco luís fontinha

Nunca vi o mar, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu... francisco luís fontinha.


25.05.23

20230525_214643.jpg

(feliz dia de África)

 

 

Não sei,

Não sei como será o Inverno

No Inferno,

Não o sei…

Mas… quem o saberá?

Farto-me de escrever poemas a Deus…

E Deus está literalmente a cagar-se para mim,

Não me importo,

Quero lá eu saber de Deus,

Tal como ele,

Quer lá Deus saber de um tal de Fontinha…

 

Não o sei,

Quem o saberá…

Vocês sabem como será o Inverno no Inferno?

E de um tal de Inferno disfarçado de Inverno?

Não, não me interessa…

Em criança, até um determinado período da minha vida…

E que vida,

Meu Deus,

Que rica vida eu tive…

Não sabia o significado de Inverno.

 

E era muito feliz!

Muito mesmo…

Tão feliz que…

No meu Inverno,

Trazia os meus calções e as minhas sandálias de couro…

Que couro, meu Deus,

Que calções…

E quer lá saber Deus dos calções e das sandálias…

Deus,

Deus passa todo o seu tempo a escrever poesia…

Entre calções,

Tão feliz que fui…

Muito feliz,

E do meu Inverno,

Que Inverno,

Aquele meu Inferno,

De aprender o significado de Inverno…

Quando eu…

 

Tudo esqueci,

As sandálias, os malditos dos calções, o Mussulo, tudo,

Tudo mesmo.

Durante muitos anos,

Muitos mesmos,

Queria perguntar ao meu pai porque choravam as acácias da minha infância…

E tudo,

Já não me lembrava de nada…

Apenas…

Machimbombo…

Que coisa, esta, do Inverno ser Inferno…

E Deus, o poeta, ser tudo…

Tudo o que não fui,

Tudo o que não quero ser,

Ser o quê…

Mais um, por aí…?

 

E chorei.

E chorei sem perceber que chorava…

Que apenas me recordava,

De ter chorado,

Não porque me apetecesse chorar…

Mas chorava,

Tinha medo de me perder,

E um dia, perdi-me, por aí…

Um dia, meu Deus…

Um dia…

Chorava porque tinha frio,

Chorava porque tinha medo,

Chorava porque me sentia só…

Qualquer coisa que nasceu comigo, não me pertencia…

Tinha morrido,

E até hoje,

Hoje… nada,

Até hoje não sei a coisa que morreu,

E que até hoje,

Não consigo dizer que coisa é essa…

E se não há coisa,

Não haverá cadáver,

Nem haverá crime…

 

(peço desculpa pela ausência, mas assuntos do foro privado chamavam-me)

 

A minha mãe,

Coitada da minha mãe…

Tal como eu,

Também ela chorou muito…

Muito…

Éramos assim…

Como deslocados,

Ausentes de corpo e alma,

Não,

Nunca acreditei na existência da alma…

Nunca.

A minha mãe,

Coitada da minha mãe…

Eu chorava,

E eu sabia que a minha mãe chorava porque eu chorava…

Éramos ausentados,

Deslocados da terra e do primeiro pigmento de cor…

Abraçava-me a ela,

E ela mentindo-me, dizia-me… um dia, um dia meu filho…

Um dia tudo vai melhorar…

 

Um dia,

Um dia cairá chuva na minha mão,

Um dia,

Um dia…

Não sei,

Não sei como será o Inverno

No Inferno,

Não o sei…

Mas… quem o saberá?

Farto-me de escrever poemas a Deus…

E Deus está literalmente a cagar-se para mim,

Não me importo,

Quero lá eu saber de Deus,

Tal como ele,

Quer lá Deus saber de um tal de Fontinha…

Ou do Inverno no Inferno,

Do Inferno a infernar o Inverno…

Quer lá ele saber…

A não ser…

Que Deus seja accionista do Inverno e credor do Inferno…

Ó pá,

Deus é comunista…!

Deus não é nem nunca será capitalista…

 

Veremos, um dia…

Um dia, um dia veremos.

 

 

 

Francisco

25/05/2023


20.05.23

O meu retracto,

Por Francisco Luís Fontinha.

 

Quem sou, pergunto-me enquanto recordo o som das acácias da minha infância. Quem sou eu, depois de ter deixado a minha cidade nas sombras da saudade. Quem serei eu, quando as minhas cinzas povoarem as alegrias da minha cidade.

Acordei. Acordei acreditando que voava sobre as mangueiras do meu quintal; e claro, a minha mãe a construir papagaios em papel, depois, corríamos pela rua com a ponta do cordel na ponta dos dedos…

E eu delirava com todas aquelas cores em direcção ao infinito. Depois de todo o cordel estar esticado, ele ficava ali, quietinho, dizendo-me adeus…

E eu, eu filmava todos aqueles momentos.

Mas enquanto me olhava no espelho, olhei os meus olhos; e se me perguntassem o que dizem os meus olhos…

Puxo de um cigarro, penso. Talvez não deva pensar mais.

Penso.

E os meus olhos dizem que esta viga de seis metros, alveolar, um IPE360…, ao fim de dois segundos, morre. Colapsa.

Nós, nós demoramos muito mais a colapsar.

E os meus olhos dizem-me que são um livro de poesia, um livro que se extingue a cada dois segundos,

Colapsa.

Morre.

E os meus olhos dizem que todas as cores estão loucamente apaixonadas por todas as minhas telas,

Depois,

Colapsou.

Mas o meu retracto ainda não está completo.

Olho-me,

Penso,

E grito.

Acordei acreditando que o retracto que via no espelho, não era o meu. Acordei acreditando que a cada equação de silêncio, há um beijo desejado e uma lâmina de paixão concluída.

E a minha cidade lá está. Como todos eles lá estão.

Depois, pego no meu retracto, coloco-o no cavalete, afasto-me um pouco de ambos, e…,

Nada.

Olhava-os. Eles também me olhavam.

Sorria-lhes. Eles também me sorriram.

Somos assim.

Sorrimos uns para os outros.

Vês?

São tão lindas, mãe, são tão lindas todas estas cores…

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Um anónimo


08.04.23

Podia ser ontem

Enquanto as tuas mãos inchavam no sorriso da ausência

Das pobres janelas

E das portas

De todos os montes e vales

De todas as pedras

Em todas as árvores

Quando nem todos os pássaros

E podia ser ontem

Enquanto as tuas mãos mergulhavam nos lábios da geada

Entre vinhedos

Dos tristes milagres de Deus.

 

Acorrentado a este rio

De doirado silêncio

Quando descem sobre mim as nuvens tempestuosas

Que transportam o sangue derramado das tuas veias

Quando ainda ontem

As tuas mãos mergulhavam nas estrelas da noite

Embriaguez dos distantes carrosséis entre linhas

Dispersas sobre o mar.

 

Podia ser ontem

Mas ontem era dia de descanso

O derradeiro repouso

Quando pegas no último vinho

E o bebes

Veneno

Passaporte para o lunar destino.

 

E pobre

Este pobre menino

De poeta enforcado

A trapezista aposentado

Tão pobre

Tão…

Amado?

Quando ainda ontem

As tuas mãos eram límpidas como a Primavera

Como os gladíolos

Como as palavras quando se soltam dos lábios

Ressequidos

Mergulhados no ontem

Quando se fosse ontem…

Hoje

Tão pobre

De destino

Este pobre menino.

 

Podia ser ontem

E a ausência continuava na gabardine da insónia

Podia

E se fosse ontem

Uma chuva de lágrimas deixava sobre ti o silêncio

Quando ontem seria pouco

E de pouco em pouco

Aos teus lábios regressam as sanzalas

E os mabecos que ainda ontem

Brincavam junto a mim

Quando ainda ontem…

Desenhávamos canções no vento…

E corações na areia fina do Mussulo.

 

Podia ser ontem.

Não o foi porque dizem que a sexta-feira é dia de azar

Que todas as sextas-feiras um cadáver de sono

Acorda junto ao jardim

E ainda ontem andava por aí…

Em pequenas brincadeiras

Entre pequenos soluços

Quando ainda ontem

Das suas mãos

Recebia as palavras semeadas durante a noite.

 

E que seja hoje

E que seja amanhã

Porque não sendo ontem

Também não importa

Se foi ontem

Se poderá ser hoje

Ou qualquer dia

Mas se tivesse sido ontem…

Certamente levaria nas mãos toda a minha poesia.

 

 

 

Francisco

08/04/2023


27.03.23

Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

Desenho nos lábios da paixão

A forca

Depois

Recebo a visita do criador

Quer que eu me transforme em árvore

Digo-lhe que não me apetece

Digo-lhe que vá para o caralho…

 

Sento-me à porta do cemitério

E conto os barcos que passam

Desenho na mão os barcos que passam

E os barcos que choram

E de todos eles…

Sinto a falta do meu pequeno barco a motor

Que colocava numa pequena poça… junto ao mar

E passava as tardes em círculos

Toda a tarde

Em círculos

 

Termino o cigarro

Ainda respiro

Graças a Deus

Levanto-me da cadeira onde me sentava

Em frente ao cemitério…

E começo a escrever no sorriso da noite

Enquanto a noite ainda me sorri

Enquanto a noite…

É noite

 

Depois…

Depois sei que a noite se vai travestir de puta

Que a noite vai correr pelas ruas de Lisboa

Que a noite se vende por um cigarro…

E que o magala de ontem

É o magala de hoje

Que o magala de ontem

Fode o magala de hoje

E que todos os barcos de ontem

São a sucata de hoje

Que os miúdos de ontem

Hoje

Alguns

São assassinos

Bêbados e drogados

Putas e travestis…

 

Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

E finalmente oiço a voz do silêncio

Pego na espada que transporto junto ao peito

Olho-a

Ela olha-me

E dou-me conta…

Que o triciclo com que eu brincava

Hoje é um monstro

De madeira

Tem olhos azuis

E come todos os magalas que brincaram junto ao Tejo.

 

 

 

Alijó, 27/03/2023

Francisco


26.02.23

Não sei, mãe, não o sei…

Estás tão ocupada na luta com (a puta dessa velha, essa caquéctica puta) que até te esqueces de mim,

Mas cá vou andando.

Tantas lágrimas, mãe, tantas lágrimas choraste durante a noite, e enquanto choravas, prendias-me no teu colo como se eu fosse um pequeno círculo com olhos verdes,

E só uma vez me deixaste cair ao chão… era tanto o teu cansaço, mãe, tão grande… o teu cansaço, mas sabes, admiro-te por nunca me teres abandonado.

Depois, corrias em direcção ao capim, deitavas-me no chão e puxavas as nuvens azuis para depois as poisares no meu peito,

Tudo, mãe, tudo para me protegeres daquela velha puta, tudo,

Fazias tudo por mim, que um dia, um dia resolveste desenhar o mar no tecto da minha alcofa, tão lindo mãe, tão lindo o mar, olha

Até me desenhaste a cidade da luz no triste sombreado do meu olhar.

E sempre me disseste que o segredo, o segredo, estava na palma da minha mão, e sabes mãe, abro a mão, e…

Segredo nenhum, nenhum.

E hoje sei que estou protegido pelos teus olhos, mas ela mãe, ela é mais forte de que tu.

Não faz mal, não.

Não o sei, não.

Levantava-me do chão, corria velozmente para a mangueira mais próxima e aos poucos, muito devagarinho subia, subia, subia até desaparecer dos teus olhos, e só aparecia no areal mais próximo,

Junto à portão de entrada do quintal que hoje está vestido de saudade, e onde está sentado o avô Domingos à nossa espera,

Nas ruas, mãe, nas ruas daquela cidade ainda se faz passear de machimbombo na mão, preso por um fino e débil cordel de sono, até que regressa a noite e a saudade desaparece,

Como tudo, mãe, como tudo.

Como tudo desaparece.

E sei que vais perder essa maldita guerra, como sempre mãe, como sempre, perdeste para essa velha caquéctica puta.

Hoje somos uma cânfora adormecida, dentro de uma pequena caixa de sapatos, sem janelas, sem porta de entrada, sem tecto, sem telhado, sem nada,

Sem nada,

Nada.

 

 

 

Alijó, 26/02/2023

Francisco Luís Fontinha

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