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francisco luís fontinha

Nunca vi o mar, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu... francisco luís fontinha.

francisco luís fontinha

Nunca vi o mar, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu... francisco luís fontinha.


04.06.23

Estava o sol

Estava a lua

Estava o filho de ambos

O sol queria a chuva

A chuva queria o sol

O filho da lua e do sol

Esse

Nada.

A lua queria a madrugada

O sol

Tal como o filho da lua

Nada.

Estava o sol

Estava a lua

Estava o filho de ambos

O sol escrevia nos lábios da lua

A lua inventava gemidos nos lábios do sol…

E o filho de ambos

Nada

Esse

Nada.

 

 

 

Francisco

04/06/2023


28.01.23

Traz o sono a esta lareira,

Traz nos teus lábios os incêndios da madrugada,

Traz as palavras para eu semear…

Semear nesta terra queimada,

 

Traz a tua mão,

A mão que o meu rosto vai acariciar,

Traz a lua

E a filha da lua

E o deslumbrante luar,

 

Traz-me os livros que escrevi,

Para escrever nos teus lábios,

Traz o sono a esta lareira

E todos os poemas,

E todas as estrelas

E todas as savanas,

 

Traz-me todos os rios,

Todos os mares…

Traz-me as árvores

E os pássaros de cantar,

Traz-me a chuva,

E faz com que as nuvens parem de chorar.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha


17.10.22

Quando abres a janela

Do teu olhar,

E um lençol de lágrimas

Poisa na vidraça da manhã,

Não te apoquentes,

 

Há dias de chuva

Onde um lindo sol está a brilhar,

Há dias frios,

Dias quentes…

Quando abres a janela

 

Do teu olhar,

E num lindo dia de sol,

Trazes contigo as lágrimas

Que poisam na vidraça da manhã,

Lembra-te do mar…

 

Sempre em movimento,

Sempre acorrentado às marés…

e… amado por todos,

e sempre a sonhar.

E se um lençol de lágrimas

 

Poisa na vidraça da manhã,

Fica tranquilo, porque há sempre um poema

Na tua mão,

Um poema proibido,

Um poema de um lindo dia de sol…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

17/10/2022


14.10.22

Perto do musseque éramos felizes, como eram felizes os que viviam perto do musseque; a manhã acordava, na rua ouvia-se o trote do branco cavalo que passeava todos os dias pela mão da linda Catarina, o irmão, rapaz dos seus quinze anos, desenhava formas geométricas com a velha motorizada que tinha herdado do avô, homem foragido da metrópole por razões políticas.

Junto ao Grafanil ouviam-se os vómitos de saudade do Unimog que regressava do mato, transportava homens que tinham vendido os sonhos e sem perceberem, ainda acreditavam no futuro.

A Catarina, indiferente às lágrimas de todas as sombras que ouvíamos na noite, sentava-se junto ao portão de entrada na esperança que o pai um dia regressasse do mato com o camião que tinha partido com mercadorias diversas. Com um giz, deixava traços invisíveis no muro do quintal, um dia, contou-os; trinta e cinco. Desistiu de esperar.

Semanas depois, disseram-lhe que o camião que o pai conduzia passou sobre uma mina e desfez-se em pedaços de lágrimas; acontecia a todos aqueles que tinham longas noites nos olhos.

Eu, deliciava-me a dar pancadas num velho triciclo, e quando me perguntavam o que estava a fazer,

O menino está a arranjar.

Mais tarde, contaram-me que saía ao meu tio António, que depois de lhe oferecerem um qualquer brinquedo, abria-o e se lhe perguntassem…

É para ver como é feito.

Mas naquela altura não me interessava pelo corpo feminino, portanto quanto à linda Catarina, era apenas a linda Catarina; e talvez tenha só a memória fotográfica do esbelto branco cavalo que passeava todas as manhãs em frente ao meu portão, e depois, percebia que mais um dia tinha acordado.

Quanto a motorizadas, apenas me fascinavam os desenhos geométricos que o Pedro deixava sobre a poeira de um descampado junto à rua e o fumo escuro que esta cuspia depois de alguns círculos, círculos que certamente sofriam de alguma doença crónica, pois nunca eram perfeitos.

Amo-te, meu querido Joaquim!

Também te amo muito, minha querida Catarina!

E de paixão apenas conhecia a que tinha pelos barcos, papagaios em papel e pelo meu melhor amigo; o eterno chapelhudo.

Não escrevas nas paredes, Francisco,

É para ver como é feito.

Depois do jantar, íamos aos Coqueiros assistir aos treinos de hóquei em patins, deliciava-me com a dança dos corpos daqueles jovens que sem o saberem, escreviam no pavimento a mais linda estória das noites da minha infância, regressado a casa, adormecia a sonhar com o branco cavalo da linda Catarina. Às vezes, ainda íamos dar uma volta ao Baleizão, que sempre que me ofereciam um gelado, que eu apelidava de Rajá, respondia que…

Não gosto.

E ainda hoje não percebo muito bem do que gostava naquela altura, tirando os barcos, os papagaios, o chapelhudo, os desenhos nas paredes e as pancadas no triciclo, de nada mais gostava.

As bananas tinham bicho. De sumos, não gostava. Os chocolates que os amigos do meu pai me ofereciam, quase não lhes tocava. Quando se tratava de comer a sopa, inventava mil razões para a não meter à boca; estava quente, não tinha fome, e

É para ver como é feito.

E enquanto arranjava o triciclo descobri que os aviões que eu ia ver ao aeroporto e os que passavam sobre a minha casa, tinham tamanhos diferentes. Passei muito tempo para entender que se tratava apenas de distância e que ambos tinham o mesmo tamanho.

Depois,

Catarinaaaaa…

Sim mãe, vou já, logo que o branco cavalo desça das nuvens, e num ápice, um enorme buraco negro cospe uma estrela,

E o raio do cavalo de nuvem em nuvem, até que descobriu

Pedro, casa já.

O menino está a arranjar.

De buraco em buraco até se esconder da mina que dizimou o camião, o pai e a mercadoria da linda Catarina.

Choveu muito ontem, entre o capim vi pela primeira vez o lençol da saudade, e percebi porque hoje amo o mar, e ontem, e ontem fugia da lhá…

Tão grandes, pai.

É para ver como é feito.

Perto do musseque somos felizes, como são felizes os que vivem perto do musseque; a manhã acorda e a doce e linda Catarina, montada no seu branco cavalo voa em direcção às nuvens, em baixo, jaz o mar límpido que outrora adormeceu na algibeira dos pequenos calções do menino ranhoso que inventava amigos para brincar debaixo das mangueiras, que que às vezes se esquecia de dormir, quando as tardes eram apenas pedaços de silêncio onde a motorizada do Pedro e o branco cavalo da linda Catarina davam as mãos e saiam para passear junto à Baía.

Tão grandes, pai.

O menino arranja.

E amanhã certamente tenho a visita dos papagaios em papel e das estrelas que um dia desapareceram de mim, como desapareceram as minhas sandálias de couro…

Ai a lhá…

E depois, encerraram a janela e nunca mais vi o mar.

 

 

 

Alijó, 14/10/2022

Francisco Luís Fontinha


12.12.21

Um dia

Regressará o sono,

A luz,

E todos seremos apenas imagens,

Poeira,

E pequenos nadas.

 

Um dia

As palavras serão sombras,

E das imagens que eramos,

Seremos novamente, nadas;

Pequenas migalhas de pão,

 

Pedras,

Calçadas de espuma,

Em guerra na cidade,

Um dia seremos apenas chuva,

E pedacinhos de lágrima.

 

Um dia seremos nadas,

Ou outra coisa semelhante,

Um dia seremos geada,

Luz…

Ou fogueira ardente.

 

Um dia seremos nadas,

No outro dia,

Gente.

Um dia seremos pó,

No outro dia, dor, corpo ausente.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/12/2021

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