06.04.23
Cresci
Acreditando num Deus
Pedia-lhe coisas
Muitas coisas
Era um círculo de luz com olhos verdes
Às vezes
Este meu Deus misturava-se com as crianças que brincavam nos musseques
Construía danças enquanto o vento
Desenhava sorrisos junto ao capim
Este círculo de luz com olhos verdes
O meu Deus
O Deus todo-poderoso
Criador das palavras
Do desejo
Do sexo das palavras
Do beijo
Este pequeno-grande círculo de luz
Com verdes
Verdes olhos das marés de Inverno
Cresci
Rezava-lhe
Ajoelhava-me junto ao mar
Erguia-lhe as mãos…
E ficava… ali… pasmado como um pedacinho de medo
Sempre à espera
Esperando
Que um paquete me resgatasse daquele Inferno
E depois de eu morrer
O comandante do paquete
E o Deus todo-poderoso
Criador do silêncio
Da poesia
Da paixão
Um círculo de luz
Com olhos
Verdes
Meu amor…
Verdes olhos
À noite
Sentava-me na cama
Desenhava paquetes na fronha da almofada
Uma espécie de miséria abraçada à vergonha
Quando as estrelas em finos traços de tesão
Subiam às mangueiras do meu quintal
E eu sabia
Quase sempre…
Que o avô Domingos regressava da cidade
E na mão
Trazia o cordel
Com que puxava os machimbombos
Por uma Luanda…
Em pequenos vómitos
Meu Deus
Meu grande Deus
Círculo de luz com olhos verdes
De verdes olhos
Entre momentos de dor
E caixas de solidão
Um Deus hoje
Hoje arrogante
Um Deus que se está a cagar para mim
E para as minhas palavras
Um Deus…
Um círculo
De luz
E de verdes olhos
E não me digam que este Deus
Meu Deus…
E não me digam que este circulo de luz com olhos verdes…
É Deus…
Porque este círculo de luz com olhos verdes
Este meu Deus…
É apenas mais um impostor que poisou dentro de mim
Como todas as pedras
Como todos os rios
Como todos os mares;
Um círculo de luz com olhos verdes.
Francisco
06/04/2023