19.01.21
O poema dorme nas pernas da laranja.
As pernas da laranja, quando acordam, adocicam as palavras escritas pelo poeta,
Quando a mulher do poeta, é a própria laranja.
Sou, por vezes, apedrejado por energúmenos, mas não me importo.
Sou simples, como todas as palavras do poema.
Amo o poema,
Sou amado, como a amante do poeta, ama o poema e,
Todas as noites,
Uma laranja abre as coxas recheadas de sombra,
Lá fora, fios de geada brincam com a caneta do poeta,
Porque sendo ele, às vezes, apedrejado, continua a fabricar palavras quando cai a noite.
A caneta do poeta, apaixonou-se pela amante do poeta;
Podia ser trágico, podia ser infidelidade… mas o que os separa são apenas palavras,
Gritos ao ouvido que ela tanto adora.
Acabaram-se os cigarros. Sobre a mesa da sala, um volume de cigarros espera-o, como o espera a caneta, o papel e, os ouvidos da amante que ele a todos os momentos lhe sussurra; AMO-TE.
Poderia escrever-te a todas a horas, minutos, segundos, ou nunca te escrever.
As palavras invisíveis são as mais apetecidas, são escritas no silêncio entre o sono e o sonho.
São como a geada; leves, tranquilas, doces até.
O poema dorme nas pernas da laranja.
E se a laranja é as coxas da amante do poeta, como se apelidará o seu saboroso sumo, dúctil nas manhãs de Inverno?
Saltita.
Brinca na areia branca da manhã os esqueletos da noite passada,
Pequenas ranhuras nas paredes do cubículo que acesso ao sótão; sempre quis ter um sótão imaginário, apenas para mim.
Um sótão onde poderia brincar, escrever, pensar e, manusear a laranja.
Francisco Luís Fontinha, Alijó-19/01/2021