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Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.

Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.


23.07.23

Olho o teu retracto

E olha…

Quem diria

Estás com muito bom aspecto

E até pare que os anos não passaram por ti.

 

Olho o teu retracto.

Escondo no teu retracto, o meu retracto

Um qualquer

Pode ser no Mussulo

Pode ser aqui

Ou ali.

 

Olho o teu retracto

E olha…

Quem diria

Parece que os anos se esquecem de ti

E se lembram de mim.

 

Olho o teu retracto

E confesso-te

Que começo a odiar o teu retracto

E todos os meus retractos.

 

Olho o teu retracto

E não vejo nada

Nem um sorriso disfarçado

Tão pouco

Os segredos da madrugada.

 

Olho o teu retracto

E vejo o meu rosto abraçado a um baloiço

E enquanto me transmites a força necessária para eu voar…

Eu olho o teu retracto

E no teu retracto

Escuto os silêncios do mar.

 

 

 

23/07/2023

Luís


19.07.23

Somos o quê, pai,

Morremos de quê, pai,

Somos o que nos vestem,

E do pouco que sobra, o quê, pai,

Quando um machimbombo de esperança brincava no teu olhar,

E de quê,

Somos o quê, pai,

Somos a Lentidão de Kundera?

Ou a piquena dos chocolates…

Do poema A Tabacaria do senhor Álvaro de Campos,

E de quê, pai,

Os chocolates.

 

No entanto,

Eu,

Tu,

Ele,

Ela,

Nós…

Todos mentíamos,

Tu mentias-me,

Eu mentia-te,

Ela desconfiava,

Menos uma mentira,

 

E o quê, pai,

O que somos, pai,

Somos o pão,

Somos o poema,

Somos a poesia,

E, no entanto,

Eu mentia-te…

E tu tinhas a perfeita consciência que estavas a ser aldrabado,

O teu filho, malabarista, artista e poeta…

Inventava estórias no teu sorriso,

Falso sorriso,

E depois,

E de quê, pai,

E esqueci-me do perfume das tuas acácias…

 

Somos o quê, pai,

Somos átomos que pensam,

Átomos que amam,

Que morrem…

E nascem,

E de quê, pai, o que somos, pai,

Depois, durante a noite, desenhava o teu cabelo, com o meu olhar…

E era lindo…!

Eu ficava esquecido numa cadeira fantasma,

Mais cansado do que tu, pois tu estavas com uma grande pedrada de morfina, e feliz,

Tu falavas-me de pássaros,

Eu, inventava pássaros,

Perguntavas-me se era dia,

Noite…

Depois arrependias-te…

Deixa lá, tanto faz… não tenho pressa,

 

Nem eu, o quê, tinha pressa,

De quê, pai, o quê…

Que somos.

 

 

19/07/2023


08.11.20

O fim de tarde, minha querida.

A cidade vomita palavras abstractas que só a tempestade sabe prenunciar.

As flores poisadas na tua lápide parecem lágrimas de pássaros esquecidos nas árvores de ontem,

Procuro por um corpo, nada encontro e, apenas uma esquina de luz, longe, bem longe, acorda das sombras onde te deitas.

Vai distante o teu olhar de bom dia pela manhã,

Erguem-se as abelhas da colmeia colorida pelo silêncio da despedida,

Um SIM, um NÃO, ou… um apenas talvez,

Se deita no teu peito.

Visito-te todos os dias,

Conversamos,

Falamos sobre poesia,

Pintura,

Falamos das tardes inquietas de Luanda… ao final do dia.

Nada me falta, minha querida.

Tenho tudo e, nada tenho.

Não me apetece abrir a ponta de entrada, para este cubículo desorganizado, entre livros e rochedos, mesmo assim, nunca consegui, depois de te despedires de mim, olhar o mar.

Abro a janela, o mar longínquo deseja-me como um louco e, ainda hoje, minha querida, tenho medo da (lhá).

Um pilar de areia cai sobre a calçada.

Lágrimas de papel vivem disfarçadas no teu rosto; hoje, não choras.

O sangue invisível que corria nas tuas veias, hoje, é apenas uma fina lagoa azul suspensa na tarde, nada mais, minha querida, nada mais…

Hoje és apenas uma equação de fé que deambula pela casa descalça;

O medo.

Amanhã, quem sabe, “O fim de tarde, minha querida”.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/11/2020


26.01.14

foto de: A&M ART and Photos

 

(Tinha prometido que nas próximas semanas não publicaria nada, poesia, textos... mas as palavras são mais fortes do que a dor...)

 

 

Converso com as vozes inaudíveis das montanhas ínfimas em ti

e percebo que o medo absorve-te como se fosses um alimento comestível na boca do Inferno,

oiço as sílabas distorcidas que brincam nos teus lábios de sebe envergonhada como eu,

oiço das montanhas ínfimas em ti os segredos nossos vividos entre o silêncio e a preguiça do desassossego,

habitas as transversais listras negras do temido sono que acordam todas as manhãs na garganta do sofrimento,

vives porque pareces um mendigo travestido de mendigo,

vives porque és o verdadeiro mendigo de mim... que ficou em ti de quando éramos poetas vagabundos sobre as árvores dos jardins sem braços em prata,

postais e revistas,

livros e pornografia barata, simples, submersas as tuas mãos em veludo fino,

cortinados que abanam e cintilam nas vozes nocturnas do amor,

amar-te como se ama uma lareira poética nos seios das finas lâminas da tristeza,

deixamos ficar a alegria nas sarjetas do póstumo amanhecer...

 

(… e

e fazemos de conta que em todos os sábados existe uma amoreira por beijar...

tu),

 

E fazemos de conta que as estradas que me levam a ti são em puro chocolate,

e fazemos de conta que dos teus beijos saltitam mãos de espuma,

areais de seda e janelas com olhos de vidro,

e...

… e fazemos de conta que em todos os sábados...

que hoje não existe vida nos teus brancos cabelos,

que hoje a noite parece um mórbido cobertor de Inverno sobre os joelhos teus quando ainda acreditas nos desejos pergaminhos da laranjeiras,

as palavras são propositadamente embriagadas para esquecermos a cinzenta estória sem livros para pintarmos,

temos em nós os vestígios carris do aço disfarçado de recta paralela,

a trigonometria da dor quando do envidraçado muro da desgraça uma rosa se submete aos teus encantos,

és lindo, és tu que albergas as minhas desventuras montanhas ínfimas em ti...

… e todos os sábados existe uma amoreira por beijar... tu... o pai que sempre quis ter.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 25 de Janeiro de 2014

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