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Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.

Francisco Luís Fontinha

Blog do poeta e artista plástico Francisco Luís Fontinha.


04.10.22

Poisam sobre mim

As tristes ardósias da tarde,

Nos braços, transporto o silêncio envenenado

Dos poemas desencantados,

E no olhar,

Um pedacinho de mel dorme docemente…

 

Procuro na algibeira as palavras que te escrevo,

Pego no isqueiro… e acendo-as, como se fossem o meu último cigarro.

Olho-o, aquele mar que deixei ainda menino,

Olho-os,

Todos os barcos que fui coleccionando ao longo dos anos…

E percebo que há muito deixaram de ser barcos,

 

Hoje, são apenas sucata; vómitos de aço

Acorrentados aos fins de tarde,

Sopros,

Pedacinhos de tristeza,

Enquanto uma criança inventa o sono e olha o mar na alcofa;

Tão lindo, o mar…

 

Tão lindo!

E sinto o cheiro da terra queimada,

E lanço sobre as velhas sanzalas…

Todos os meus sonhos,

Todas as minhas imagens.

Poisam sobre mim

 

As tristes ardósias da tarde,

E não; não estou triste, não, não me falta nada.

Porque um sem-abrigo pode ter tudo

Quando os outros acreditam que não têm nada,

Porque se o sem-abrigo conseguir sorrir…

É um homem feliz. Tem tudo.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 04/10/2022


09.11.15

sentir que aos poucos o teu corpo se despe de mim

e se despede em frente à mórbida madrugada

sentir que perdi as estrelas e as palavras

o sorriso

e a alvorada

dentro de um pequeno livro

tão fino como a tua pele desnuda

em pergaminhos desejos

o sorriso

e os beijos

e a alvorada

sentir que aos poucos

eu

não sou nada

como os outros

os que habitam as prateleiras dos sonhos

que vão procurar na insónia

a solidão

e o esquecimento

desse corpo

meu

despedido

despido

arrependido e suspenso no céu…

as cordas do inferno acreditando na misera gratidão

sentir que sim

sentir que não

sou

capaz

sentir que não sou capaz de despedir-me desse corpo camuflado numa qualquer sanzala

entre zinco e sombreadas flores

entre cigarros e pontes de luz

e belos amores

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 9 de Novembro de 2015


01.11.15

A morte das palavras num qualquer musseque da insónia, as cinzas dos poemas disfarçadas de sanzala sem dono, destino ou incómodo de sobreviver à pobreza, o exilado texto além-fronteiras, os gritos, os gemidos da noite entre siderais e abstractos retractos e o espelho do quarto, depois vem o amor, depois vem a paixão, e nada mais do que isso

Ou morte, de ti, às primeiras horas da madrugada,

Odeio a noite, e nada mais do que isso nos nossos corpos, a distância das palavras, mortas, numa lápide de saudade e o eterno amor, depois, ele, partiu para as incandescentes ruelas do inferno, embrulhou-se nos lábios do sofrimento, tombou no pavimento

O espelho, cansado desta imagem prateada,

Tombou no pavimento como se fosse uma abelha a ancorar à colmeia do sexo, o orgasmo poético, a ejaculação da prosa em pequeníssimas lâminas de esperma, e eu… sofrendo com a tua ausência programada, hoje, acordei acreditando que estavas vivo, entre mim e em mim, olhei-te, perguntei por ti

E o espelho fantasiado de vergonha, a alvorada não nasce, o dia promete ser uma abstracta palavra, mota,

Perguntei por ti, ouvia-te longinquamente sobre as árvores do nosso jardim, e os pássaros poisados na nossa sanzala, o álbum de fotografias dos teus ossos, e percebi que brincavas entre mabecos e gaivotas embalsamadas pela tristeza,

Palavra, morta, ninguém à nossa porta,

Pela tristeza e pelo silêncio… marchar, marchar…

Fui, desisti…

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 1 de Novembro de 2015


15.10.14

Odeio as poças de água

odeio os nenúfares e os sombreados vultos da noite

odeio a poesia

as palavras

e a felicidade...

ah... odeio a chuva vestida de branco,

 

odeio os acenos

e os enganos,

 

odeio...

 

odeio as sanzalas com telhados de vidro

as cidades sem transeuntes

nus

descalços

odeio as calçadas

e os cansaços,

 

odeio as pontes

e os beijos

odeio o silêncio e os cigarros de matar...

 

odeio... odeio o mar,

 

odeio as poças de água

odeio os nenúfares e os sombreados vultos da noite

odeio a poesia

e as espingardas de brincar

odeio... odeio a solidão e as lareiras invisíveis

odeio as cabanas inseminadas nos seios da montanha,

 

tudo odeio...

até que das nuvens inventadas pela madrugada

desçam a mim os sorrisos do milagre!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 15 de Outubro de 2014


22.03.14

foto: Algures entre Luanda e Lisboa – Setembro/1971

 

Percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã,

flutuávamos sobre as palmeiras hilariantes junto à Baía, davas-me a mão, e obrigavas-me a sonhar,

dizias-me que os barcos eram corpos moribundos de passageiros em viagem,

e do cais observávamos os caixotes em madeira prontos para o suicídio da loucura,

eu, eu acorrentava-me a ti como se tu fosses um embondeiro entre nuvens e sanzalas, que voava,

que... que acreditava em papagaios de papel e nos alicerces nocturnos de uma cidade em construção,

 

Gosto muito de ti, dizia-te!

Quero ser como tu, simples, como as primeiras palavras que me ensinaste e os primeiros rabiscos que deixei em todas as paredes da casa onde tínhamos as mangueiras e as pombas... e o portão, o portão...

imaginava-me a sobrevoar todo o bairro em cima de um velho triciclo,

e... e nunca me esquecia de te esperar no final do dia,

“percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã”,

e chorava quando adormecia sem perceber que já tinhas chegado...

 

E chorava quando me mostravas o mar, e as gaivotas, e... e os coqueiros,

levavas-me ao Baleizão, sentávamos-nos na esplanada, e eu, eu sonhava como essa cidade em construção que um dia tive de abandonar, regressei às tuas mãos, regressei como um velho caixote em madeira... procurando corpos moribundos em viagem,

afinal... afinal também me transformei em passageiro em viagem,

um caixote em madeira, com olhos, com braços, com mãos... e sonhos de sonhar,

barco, dei-me conta que hoje sou um barco rumo ao desconhecido,

um barco travestido de saudade.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 22 de Março de 2014

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