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francisco luís fontinha

Nunca vi o mar, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu... francisco luís fontinha.

francisco luís fontinha

Nunca vi o mar, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu... francisco luís fontinha.


03.03.23

Os sonhos são uma (merda) segredava ele aos pincelados pingos de chuva da manhã,

Depois, sentava-se na primeira sombra que encontrava e…

Esperava que o tempo se escoasse sobre os ombros.

Do outro lado da rua, junto à montra onde se passeavam espantalhos e pequenos monstros, um silêncio de sono veio até ele, olho-o e

Tombou no seu peito.

Das sílabas da carne ao desejo de fugir foi apenas um espasmo, ergueu-se da pedra onde tinha ficado esquecido vários dias, porque ao que parece ninguém reclamou a sua falta, e começou a correr em direcção aos rochedos de onde se podiam ver as primeiras lágrimas da manhã.

Um sorriso iluminou-o,

Era o sorriso de sua mãe,

Que voava por aquelas bandas, sem perceber porque razão o filho corria, corria apressadamente para tais rochedos.

Chegado aos rochedos, recordou a infância difícil, recordou todas as fotografias que já tinha rasgado e posteriormente lançado à lareira os pedacinhos que se amontoavam sobre a secretária, escreveu uma carta sem remetente, que tempos depois, alguém descobriu no bolso de um velho casaco que tinha ficado esquecido num barco aportado junto ao cais e em adiantado estado de decomposição,

O corpo morre, apodrece…

Pó, meu querido filho.

Brevemente serás pó.

E como tudo na vida, apenas pó,

Os sonhos sonhados e os sonhos não sonhados; poeira sobre um manto de lágrimas à espera do vento,

E quando acorda o vento,

O Santo Sepulcro da infâmia acorda, senta-se junto à lareira e…

E dizem que ele estava feliz.

Tão feliz, tão feliz…

Que lançou-se dos rochedos e há quem acredite que ainda hoje voa sobre os plátanos e as acácias,

 

 

Lâminas do cansaço

 

 

Procuras-me dentro deste pequeno cubo em vidro

Onde semeei as primeiras letras do alfabeto,

Procuras-me junto aos bares de uma Lisboa desencaixotada,

Triste memória,

Triste e ancorada,

 

Procuras-me enquanto o sono

Desce do primeiro silêncio em luar,

Olhas-me,

Olhas-me e acreditas que estou vivo,

Mas olha que não,

Que não,

 

Que não tenho sonhos,

Barcos para brincar,

 

Procuras-me nas estantes…

Talvez penses que me escondo dentro de um pequeno grande livro,

De poesia seria o desejado,

Mas começo a odiar a poesia,

As palavras,

E o dia…

 

Os sonhos são uma (merda) segredava ele aos pincelados pingos de chuva da manhã,

Depois, sentava-se na primeira sombra que encontrava e…

E o sono eterno apoderava-se dele,

Como a miséria,

Como a reencarnação do Diabo travestido de flor;

A mais bela flor do Universo.

 

 

 

 

Alijó, 03/03/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)


26.02.23

Não sei, mãe, não o sei…

Estás tão ocupada na luta com (a puta dessa velha, essa caquéctica puta) que até te esqueces de mim,

Mas cá vou andando.

Tantas lágrimas, mãe, tantas lágrimas choraste durante a noite, e enquanto choravas, prendias-me no teu colo como se eu fosse um pequeno círculo com olhos verdes,

E só uma vez me deixaste cair ao chão… era tanto o teu cansaço, mãe, tão grande… o teu cansaço, mas sabes, admiro-te por nunca me teres abandonado.

Depois, corrias em direcção ao capim, deitavas-me no chão e puxavas as nuvens azuis para depois as poisares no meu peito,

Tudo, mãe, tudo para me protegeres daquela velha puta, tudo,

Fazias tudo por mim, que um dia, um dia resolveste desenhar o mar no tecto da minha alcofa, tão lindo mãe, tão lindo o mar, olha

Até me desenhaste a cidade da luz no triste sombreado do meu olhar.

E sempre me disseste que o segredo, o segredo, estava na palma da minha mão, e sabes mãe, abro a mão, e…

Segredo nenhum, nenhum.

E hoje sei que estou protegido pelos teus olhos, mas ela mãe, ela é mais forte de que tu.

Não faz mal, não.

Não o sei, não.

Levantava-me do chão, corria velozmente para a mangueira mais próxima e aos poucos, muito devagarinho subia, subia, subia até desaparecer dos teus olhos, e só aparecia no areal mais próximo,

Junto à portão de entrada do quintal que hoje está vestido de saudade, e onde está sentado o avô Domingos à nossa espera,

Nas ruas, mãe, nas ruas daquela cidade ainda se faz passear de machimbombo na mão, preso por um fino e débil cordel de sono, até que regressa a noite e a saudade desaparece,

Como tudo, mãe, como tudo.

Como tudo desaparece.

E sei que vais perder essa maldita guerra, como sempre mãe, como sempre, perdeste para essa velha caquéctica puta.

Hoje somos uma cânfora adormecida, dentro de uma pequena caixa de sapatos, sem janelas, sem porta de entrada, sem tecto, sem telhado, sem nada,

Sem nada,

Nada.

 

 

 

Alijó, 26/02/2023

Francisco Luís Fontinha


12.02.23

Do vosso servo que sou,

Enquanto a luz brinca nos teus lábios,

Ponte para a eternidade,

Sobre o rio que se lamenta…

No esconderijo da saudade,

 

Que vem

E não voltará mais ao castelo,

Nem a esta pobre cidade,

 

Do vosso servo,

Que fui

E sou,

A sombra nocturna das lívidas paredes de xisto,

 

Corro para o mar

E sento-me sobre as ondas do teu cabelo,

Há um barco que me quer levar…

Mas não sei se o meu corpo é uma pedra

Ou uma pequena lágrima de sono,

 

Tão pouco sei…

Se o meu corpo vai aguentar

Esta longa viagem,

 

Do vosso servo,

Que fui

E sou,

 

Deixo-vos a maquinação sonolenta das noites invisíveis.

 

 

 

Alijó, 12/02/2023

Francisco Luís Fontinha


28.01.23

Traz o sono a esta lareira,

Traz nos teus lábios os incêndios da madrugada,

Traz as palavras para eu semear…

Semear nesta terra queimada,

 

Traz a tua mão,

A mão que o meu rosto vai acariciar,

Traz a lua

E a filha da lua

E o deslumbrante luar,

 

Traz-me os livros que escrevi,

Para escrever nos teus lábios,

Traz o sono a esta lareira

E todos os poemas,

E todas as estrelas

E todas as savanas,

 

Traz-me todos os rios,

Todos os mares…

Traz-me as árvores

E os pássaros de cantar,

Traz-me a chuva,

E faz com que as nuvens parem de chorar.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha


08.12.22

Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me;

Olho-a

Ela olha-me

Ela beija-me loucamente (era a primeira vez que me beijava)

Toca-me docemente

Depois

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito.

 

Trago-o no peito.

 

Sou pastor de um lindo rebanho de palavras

Quase sempre

Ao final da tarde

Levo-as para o pasto

Uma fina e branca folha em papel

Depois

Tenho o final da tarde

E toda a noite

Depois

Regressamos

Ficamos exaustos

Cansados,

 

Dormimos; eu e o meu rebanho de palavras.

 

Às sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo

De sol e calor

Em Janeiro

Acordaram-me…

 

Acordaram-me para a vida.

 

Pastor de um belo rebanho de palavras

Desde as sete e trinta horas da manhã

Num lindo e belo Domingo,

 

E enquanto as palavras

O meu rebanho

Olham os rabiscos de uma tela minha

Pego na fotografia dela;

E percebo o quão ela me amava!

 

Pego-lhe no olhar (de quem acaba de dar à luz)

E guardo-o no peito,

 

E no peito construo uma escultura de saudade.

 

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco Luís Fontinha

(à minha mãe)

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